A mais de dez anos de atuação no semiárido, a Articulação do Semiárido Brasileiro – ASA, desenvolve o programa de formação de mobilização social para convivência com o semiárido através dos Programas Um Milhão de Cisternas - P1MC e Uma Terra e Duas Águas – P1+2.

A metodologia de execução dos programas congrega ações de mobilização, capacitação e intercâmbios de troca de experiências entre as famílias beneficiadas. Essa metodologia envolve as famílias em todas as etapas de execução, inclusive no processo de construção das tecnologias sociais de captação e armazenamento de água da chuva, garantindo maior transparência, controle social e eficácia na aplicação dos recursos, garantindo a construção coletiva da cidadania no semiárido brasileiro.

Recentemente o Governo Federal noticiou a implantação de cisternas de Plástico PVC em substituição às Cisternas de Placa, transferindo a execução das ações para os governos Municipais e Estaduais, excluindo a Sociedade Civil da execução de uma política criada por ela própria através da ASA.

Reafirmamos que somos contra a essa medida impensada do Governo Federal.

 

SOLUÇÃO OU ARMADILHA?

 

Durante muitos anos, o Semiárido foi apresentado e tratado como inviável e um entrave ao crescimento econômico e social do País. Uma região onde as pessoas não sobreviveriam sem ajuda externa e eram consideradas incapazes de assumir seus destinos.
Essa ideia, construção simbólica, não foi despretensiosa, nem pode ser associada à natureza ou às pessoas que vivem no Semiárido. O que se sedimentou é uma construção política, atribuindo todas as dificuldades a Deus ou à natureza. Esse pensamento sempre teve um objetivo claro: beneficiar poucos e manter o poder de dominação da elite, gerando subalternidade.
Associada à falta de água, a solução apontada pela política de combate à seca foi sempre de cunho milagroso: um grande açude, uma grande barragem, a transposição do rio São Francisco, uma grande adutora. Na história recente, no plano dos governos federais, tivemos:

1972 - PLANOS DE AÇÃO PARA EMERGÊNCIA CONTRA AS CALAMIDADES PÚBLICAS DE SECAS E DE ENCHENTES (Ministério do Interior/Sudene)
1979 - PLANOS DE AÇÃO PARA EMERGÊNCIA CONTRA AS CALAMIDADES PÚBLICAS (Ministério do Interior/Sudene)
1979-83 - AÇÃO DO GOVERNO FEDERAL NO COMBATE AS SECAS DO NORDETE (Ministério do Interior/Sudene)

Essas ações ficaram nacionalmente conhecidas como as responsáveis pela famigerada Indústria da Seca.
Numa outra perspectiva, nessa mesma região, a partir do envolvimento das famílias em torno de tecnologias simples, baratas e de grande impacto,gestadas a partir dos conhecimentos e das práticas das comunidades, foram sendo construídas cisternas de placas. De algumas dezenas, passaram para centenas e hoje são cerca de 500 mil reservatórios. Uma revolução silenciosa, resultado de uma ação conjunta da sociedade civil organizada, dos governos federal, estaduais e municipais e de vários outros parceiros, inclusive bancos e empresas.
Assim, gradativamente foi crescendo a perspectiva da política de convivência com o Semiárido.
Hoje, o Brasil, a partir da efetivação do Programa Água para Todos, no contexto do Plano Brasil Sem Miséria, pode finalmente comemorar a decisão governamental de universalizar as cisternas, pôr fim à Indústria da Seca e garantir água de qualidade a todas as famílias rurais do Semiárido. Decisão que veio para valer e
Parece-nos, no entanto, estranho e inaceitável que, neste contexto, as cisternas de plástico/PVC surjam como alternativa para o semiárido, uma vez que excluem a população local, não permitindo a sua participação no processo de reaplicação da técnica, criando dependência das empresas.
Efetivamente, o sucesso da ação da ASA através do Programa Um Milhão de Cisternas está na participação das famílias como protagonistas de sua história. No fazer e ser parte do processo.
Nesse contexto, nós, famílias agricultoras e organizações que fazemos a ASA, não nos consideramos as donas da tecnologia, e nem as únicas envolvidas neste processo . No entanto, nos sentimos no dever e no direito de alertar o governo e a sociedade brasileira sobre os efeitos negativos das cisternas de plástico/PVC.
Por fim, queremos ser ouvidas, participarmos e sermos corresponsáveis pela construção e gestão da política de convivência com o Semiárido.